Imagine ter um rio como quintal! No Quilombo da Lapinha, em Matias Cardoso (Minas Gerais), as crianças brincam, nadam, pescam, tomam banho e lavam roupa no rio São Francisco, mais conhecido como Velho Chico.
Se perguntar a algum menino ou menina quem o ensinou a nadar, a resposta vem mais ou menos como aquela música do folclore que diz que foram "os peixinhos do mar".
Quintais - Uma viagem pelo Brasil
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Yudi, 8, mostra peixe do rio São Francisco, que fica no seu quintal
É tradição por lá as crianças engolirem o peixinho vivo, que acabou de ser pescado no rio.
Hora boa para pegar piabinhas é quando vão lavar louça na beira do rio. "Dá para pegar com peneira ou escorredor", diz Adriane de Oliveira Paz, 13, que todo dia cruza o Velho Chico de canoa para ir à escola.
Assim como seus pais, as crianças respeitam o rio e suas "águas valentes". Ele garante muitas vezes o sustento nas refeições e ainda alimenta o imaginário com seres encantados.
Um deles é o Caboclo d'Água, um tanto temido pelas crianças. Jogar pedra no rio, nunca. "O Caboclo não gosta e se irrita", diz Paulo Henrique Batista da Conceição, 14.
E como o Caboclo é? Mal a pergunta chega ao fim, e as crianças saem correndo da água. "Dizem que ele vem pegar, não pode falar dele no rio, não, moça", avisa Darkcion José de Oliveira Alves, 12.
Depois, longe do Velho Chico, vieram à tona as histórias. Tatiane Batista da Conceição, 10, descreve o Caboclo como "bem moreninho e com cabelo bem 'pretim'". "Numa parte ele é peixe e na outra, gente."
BEIRADAS DO RIO
Crianças e adultos do Quilombo da Lapinha são vazanteiros. Vivem das cheias e vazantes do Velho Chico e plantam nas beiradas do rio, no lameiro, bastante fértil. Antes, a maioria vivia na ilha da Ressaca, que ficava coberta de água na época da cheia.
"Quando dava a cheia do rio, a gente carregava tudo, coisas da casa, alimentos e animais, para a terra firme. Ficava lá até a água baixar", conta Isabel de Souza Mota, 55, quilombola (pessoa nascida em quilombos, que são comunidades originalmente formadas por africanos escravizados no Brasil).
UMBUZEIRO
À tardezinha, debaixo de um umbuzeiro, o som do tambor funciona como um chamado no Quilombo da Lapinha. É hora do batuque.
Chegam as mulheres com saias rodadas e os homens com tambores. As crianças largam as brincadeiras, como jogar "gudinhas" de barro (parecidas com bolinhas de gude).
Todos formam uma roda. Aos pares, adultos ou crianças entram para sambar, enquanto os outros tocam, cantam e batem palmas.
Manoel da Conceição Neto, conhecido como Manelóião, diz que ali "toda criança é batizada no batuque e na roda".
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Confira cantiga do local:
Roda, roda,
Roda, piranha
Torna a rodar
Ô, piranha
Põe a mão na cabeça
Ô, piranha
Outra na cintura
Ô, piranha
Dá uma requebrada
Ô, piranha
Dá uma sapateada
Ô, piranha
Dá a mão pro seu namorado
De olho fechado
Nariz quebrado
Roda, piranha
Torna a rodar
Ô, piranha
Põe a mão na cabeça
Ô, piranha
Outra na cintura
Ô, piranha
Dá uma requebrada
Ô, piranha
Dá uma sapateada
Ô, piranha
Dá a mão pro seu namorado
De olho fechado
Nariz quebrado
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